Durante décadas, gasolina e diesel reinaram soberanos nas bombas e nas garagens do Brasil. Essa hegemonia moldou a mobilidade e manteve o motorista refém dos combustíveis fósseis. Mas o tabuleiro começou a mudar. A transição energética, antes apenas um discurso de conferências climáticas, tornou-se uma corrida concreta, com o país acelerando em direção a alternativas mais limpas.
Pontos Principais:
O cenário em 2025 revela o impacto dessa virada. De janeiro a julho, mais de 139 mil veículos eletrificados foram emplacados, um salto de 47% em relação ao ano anterior, segundo a Fenabrave. A eletrificação está longe de ser apenas tendência; é um divisor de águas. No entanto, a realidade brasileira mostra que o futuro será híbrido — não apenas nos motores, mas também na matriz energética.

Nesse contexto, o etanol segue como protagonista. Nascido da cana-de-açúcar e da inteligência agrícola nacional, ele foi o primeiro grande ato de independência energética do país. Desde os tempos do Proálcool, nos anos 1970, até os modernos carros flex, o etanol tornou-se parte da cultura automotiva brasileira. Em 2024, foram produzidos cerca de 35 bilhões de litros do combustível, consolidando o país como referência global em energia renovável.
Mais do que um substituto da gasolina, o etanol tornou-se um exemplo de ciclo sustentável. A cana captura CO² durante o crescimento, compensando parte das emissões liberadas na queima. Com as novas tecnologias de segunda geração — que aproveitam resíduos agrícolas —, o processo se torna ainda mais limpo e eficiente. Agora, a indústria começa a vislumbrar o próximo passo: transformar o etanol em base para o hidrogênio verde, criando uma ponte entre o passado agrícola e o futuro elétrico.
O hidrogênio, aliás, é a grande promessa da engenharia automotiva. Silencioso, potente e capaz de gerar apenas vapor d’água como resíduo, ele representa a utopia da mobilidade sem poluição. A teoria é impecável; a prática, desafiadora. O custo de produção do hidrogênio verde ainda é elevado, e o Brasil praticamente não dispõe de infraestrutura para abastecimento. Mesmo assim, o potencial é gigantesco: com energia solar, eólica e biomassa em abundância, o país tem o que é preciso para liderar esse setor.
Montadoras como Toyota e Hyundai já testam veículos movidos a hidrogênio em diversos mercados, enquanto estudiosos brasileiros investigam sua aplicação em transporte de carga e transporte público. Caminhões e ônibus são os principais candidatos — segmentos onde as baterias elétricas ainda sofrem com peso, autonomia e tempo de recarga. O hidrogênio pode ser a peça que falta nesse quebra-cabeça logístico.
Enquanto isso, os biocombustíveis mantêm o motor da transição girando. O biodiesel, obtido a partir de soja, milho e resíduos orgânicos, já faz parte do cotidiano, sendo misturado obrigatoriamente ao diesel comum. Em 2024, a produção nacional atingiu mais de 9 milhões de metros cúbicos, reforçando a vocação agroindustrial do país. Ao lado dele, o biometano e o bioquerosene começam a ganhar espaço, inclusive na aviação, mostrando que o conceito de combustível verde vai muito além do tanque do carro.
Essas soluções compartilham um mérito essencial: podem ser aplicadas sem grandes mudanças nos motores ou na infraestrutura atual. Isso facilita a adoção em larga escala e reduz custos. Contudo, há um alerta — a sustentabilidade depende da origem da matéria-prima. Se a expansão agrícola avançar sobre áreas de floresta, o efeito positivo pode ser anulado. O equilíbrio entre produção e preservação continua sendo o grande desafio.
Na prática, o Brasil experimenta um mosaico energético em transformação. De um lado, a eletrificação avança nas cidades, com híbridos e elétricos conquistando motoristas que buscam economia e tecnologia. De outro, o campo e a indústria química trabalham silenciosamente em soluções que garantam autonomia, energia limpa e competitividade. O país parece destinado a não escolher um único caminho, mas a trilhar todos ao mesmo tempo.
À medida que a mobilidade sustentável se consolida, cresce também o interesse público e o investimento privado. Etanol, hidrogênio e biocombustíveis já não são apenas alternativas — são partes complementares de uma mesma engrenagem. A transição energética no Brasil não será uma troca súbita de combustível, e sim uma sinfonia de tecnologias que, juntas, prometem transformar o ato de dirigir em um gesto mais consciente e conectado ao planeta.