Há muito se discute se a criminalização da fuga do motorista do local do acidente está de acordo com a Constituição ou se viola o direito do cidadão de não produzir prova contra si mesmo. Recentemente o Supremo Tribunal Federal decidiu pela constitucionalidade do artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro. Entenda.
O artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro prevê a pena de detenção de seis meses a um ano ou multa para pessoa que foge do local do acidente de trânsito sem prestar socorro à vítima. Durante muito tempo se debateu que essa criminalização feria os direitos fundamentais do cidadão, o qual não é obrigado a prestar provas contra si mesmo.
Segundo o entendimento do STF, entretanto, tal criminalização não fere princípios constitucionais. A decisão teve 7 votos contra 4 em caso julgado recentemente. De acordo com o entendimento comum deve haver criminalização se a fuga tiver como intenção esquivar-se da responsabilidade penal ou civil – evitar processo por atropelamento ou morte ou arcar com despesas de reparo e outras indenizações.
Para o Supremo, permanecer no local do acidente não implica em confissão de culpa. Pelo contrário, sugere boa fé do cidadão e por si só já conta como presunção de inocência e não de culpa. Mas mesmo no caso do motorista ser culpado, sua permanência e assistência à vítima servirá como atenuante em caso de condenação.
A fuga só será legitimada quando houver risco de lesão corporal (por exemplo linchamento) caso em que a fuga terá uma excludente de ilicitude, como acontece com a legítima defesa. Por exemplo, num acidente que envolva um motociclista e outros motoqueiros cerquem o motorista com intenção de agredi-lo.
Para Luiz Fux, a permanência e identificação do motorista não implica em responsabilização e tem completo apoio constitucional.
O ministro Alexandre Moraes afirmou que o direito ao silêncio não significa direito de se recusar a participar do devido processo legal.
Luiz Edson Fachin em sua fala ressaltou que a permanência no local do acidente é uma ajuda inestimável com a autoridade, combatendo diretamente a morosidade do sistema judiciário.
Luís Roberto Barroso explicou que a permanência no local do acidente está imunizada de qualquer intervenção penal sem a transcorrência do devido processo penal, pelo que não há o que temer por parte do motorista.
Rosa Weber utilizou o princípio da proporcionalidade para dizer que o direito à integridade da vitima, a incolumidade pública e a saúde dos usuários nas vias públicas são mais importantes e sustentam a constitucionalidade da criminalização da fuga do local do acidente.
Cármen Lúcia fez suas ponderações mostrando a necessidade de uma mudança de cultura na questão do trânsito brasileiro, que anualmente tem mais de 47 mil mortes, número superior a muitas guerras.
Em contrapartida, Ricardo Lewandowski sustentou que a fuga do local não significa autoincriminação e pode até ser considerada como autodefesa, pelo que entende que a criminalização é inconstitucional.
No mesmo sentido Gilmar Mendes afirmou que o Supremo em outras ocasiões determinou que o direito de permanecer calado deve ser interpretado de modo amplo, pelo que ausentar-se do local do acidente deve ser entendido como um direito do cidadão.
Também Marco Aurélio Mello entende que legislador que previu a criminalização da fuga do local do acidente excedeu no exercício de seu poder.
Celso de Mello, na mesma linha, argumentou que o STF tem reafirmado constantemente os direitos e garantias que assistem o cidadão que se encontra sob investigação estatal ou sob persecução penal, e que tal criminalização viola esses direitos.
Dias Toffoli, presidente do Supremo, apenas acompanhou a divergência sem nada argumentar.