Assumir o controle de um carro, para muitos, é sinônimo de rotina. Para outros, porém, trata-se de uma barreira emocional difícil de vencer. O trânsito, que costuma ser interpretado como espaço de liberdade, pode se tornar um ambiente opressor e gerador de ansiedade. A experiência de conduzir um veículo, em vez de representar mobilidade, provoca angústia, receio e reações físicas intensas.
Pontos Principais:
O medo de dirigir atinge milhões de pessoas no Brasil. Não se trata apenas de um desconforto esporádico, mas sim de um quadro identificado e classificado pela psicologia como fobia específica. A Organização Mundial da Saúde estima que 6% da população brasileira vivencie essa condição. Ainda pouco debatida, essa dificuldade não se limita à insegurança diante do trânsito: é um reflexo de vivências individuais, contextos sociais e fatores emocionais.
Conhecida pelo nome técnico de amaxofobia, essa condição interfere na vida cotidiana de forma ampla. Além de limitar a locomoção, pode gerar conflitos familiares, reduzir oportunidades de trabalho e afetar a autoestima de forma silenciosa. É uma situação que demanda compreensão e tratamento, mas que ainda sofre com o desconhecimento por parte da sociedade.
A amaxofobia é caracterizada pelo medo intenso e persistente de conduzir veículos. Pode se manifestar tanto em pessoas que nunca dirigiram quanto em motoristas habilitados que, em algum momento, passaram a evitar essa atividade. A intensidade varia, mas em muitos casos basta imaginar uma situação no trânsito para que o medo desencadeie reações físicas e emocionais.
De acordo com especialistas, as causas são múltiplas. Traumas relacionados a acidentes, vivências negativas em aulas de direção, pressão familiar ou social e baixa autoestima são alguns dos elementos envolvidos. Não se trata de uma condição exclusiva de motoristas iniciantes. Pessoas com anos de habilitação também podem ser afetadas, sobretudo após episódios traumáticos.
A psicóloga Adalgisa Lopes, especialista em comportamento no trânsito, afirma que o problema é mais profundo do que se imagina. Segundo ela, o medo de dirigir está ligado à percepção individual de controle e competência. Em muitos casos, a cobrança externa potencializa o sentimento de incapacidade e faz com que o indivíduo evite ao máximo situações que envolvam a direção de veículos.
Os efeitos da amaxofobia ultrapassam a esfera psicológica e atingem também o corpo. Diante da possibilidade de assumir o volante, pessoas com esse transtorno podem apresentar sintomas como taquicardia, sudorese, tremores, falta de ar, sensação de desmaio e dificuldades cognitivas. Em situações mais graves, ocorrem crises de pânico.
Essas reações não se limitam ao momento de conduzir o veículo. A simples antecipação do ato de dirigir pode ser suficiente para desencadear os sintomas. O corpo reage como se estivesse diante de uma ameaça real, ainda que o risco não exista de fato. Por isso, muitos evitam até mesmo pensar em enfrentar o trânsito, criando uma rotina de evasão.
Essa evasão compromete a independência do indivíduo. Atividades simples como buscar os filhos na escola, ir ao trabalho ou resolver tarefas cotidianas passam a depender de terceiros. O isolamento e a sensação de impotência tendem a crescer, alimentando um ciclo difícil de romper sem auxílio profissional.
Dados sobre o perfil das pessoas afetadas revelam um recorte de gênero. Estima-se que cerca de 80% dos casos de amaxofobia atinjam mulheres. Essa prevalência é interpretada por especialistas como consequência de fatores históricos e sociais que moldaram a presença feminina no trânsito ao longo das décadas.
O ambiente automotivo, por muito tempo, foi dominado por homens. Isso gerou um cenário de cobrança desproporcional, onde o erro feminino ao volante ainda é visto com mais severidade. Muitas mulheres relatam medo de serem julgadas ou ridicularizadas ao cometer falhas durante a direção. Esse receio afeta diretamente a confiança e inibe a prática.
Além disso, a sobrecarga de responsabilidades, tanto no âmbito doméstico quanto no profissional, também contribui para a desistência. A falta de tempo para treinar, o acúmulo de tarefas e o estímulo insuficiente ao protagonismo no trânsito ajudam a consolidar o quadro de insegurança. Em muitas famílias, a figura do motorista permanece atrelada ao papel masculino.
Apesar dos desafios, a amaxofobia tem tratamento. A abordagem mais indicada é a psicoterapia, com destaque para a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). Essa linha terapêutica atua na reestruturação de pensamentos automáticos, propondo estratégias práticas para enfrentar e reduzir o medo, de forma gradual e controlada.
O processo terapêutico inclui exercícios de exposição progressiva ao volante, análise das crenças disfuncionais e reforço da autoconfiança. O acompanhamento pode ser complementado com aulas práticas em autoescolas especializadas, que oferecem estrutura adaptada para pessoas com bloqueios emocionais relacionados à direção.
Outro recurso utilizado é o apoio psicológico paralelo às aulas de direção. Em muitos centros de formação, há profissionais capacitados para lidar com alunos que apresentam sinais de ansiedade ou fobia. O ambiente acolhedor, aliado à ausência de julgamento, colabora para que o processo de superação aconteça de maneira segura e contínua.
A superação da amaxofobia não segue um tempo padrão. Cada pessoa possui um ritmo próprio de enfrentamento, conforme suas vivências, limitações e contextos. A evolução depende da disposição para buscar ajuda, da constância no tratamento e da eliminação de barreiras externas que reforçam o medo.
O primeiro passo é reconhecer que se trata de uma condição real, e não de preguiça ou falta de vontade. O medo de dirigir é legítimo e precisa ser tratado com empatia. Ignorar ou minimizar o problema pode gerar mais sofrimento e aprofundar o isolamento. Informar-se e compartilhar experiências também ajuda a quebrar o estigma.
Com suporte adequado, a retomada da autonomia é possível. Ao final do processo, muitas pessoas relatam mudanças significativas na vida social, familiar e profissional. A reapropriação da direção não representa apenas a capacidade de guiar um carro, mas também a reconstrução da confiança e da liberdade pessoal.
A amaxofobia é um fenômeno que exige visibilidade. Por mais que o trânsito pareça acessível a todos, há um número expressivo de pessoas que se sentem excluídas por razões emocionais. Tratar esse tema com seriedade significa incluir e possibilitar que mais indivíduos exerçam sua autonomia de forma plena.
O ambiente urbano precisa ser entendido também como um espaço psicológico. O modo como ele é vivido depende de múltiplos fatores, e o medo é um deles. Políticas públicas, campanhas educativas e ações de sensibilização podem colaborar para ampliar o debate e oferecer alternativas de enfrentamento.
Na base de tudo está o reconhecimento de que dirigir é um direito, mas não pode ser um fardo. A construção de um trânsito mais humano passa por entender que, para algumas pessoas, o maior obstáculo não está no caminho, mas dentro do próprio carro.
Fonte: Wikipedia, iG, Tuasaude e Correiobraziliense.