A Uber, uma das maiores empresas de compartilhamento de viagens do mundo, enfrentou um revés significativo no Brasil em 15 de setembro de 2023, quando o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2) emitiu uma decisão que a condenou a pagar uma indenização de R$ 1 bilhão e a contratar formalmente todos os motoristas vinculados à plataforma. A sentença, que se originou de uma denúncia feita por um grupo de motoristas e foi ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, desencadeou um intenso debate sobre a natureza da relação de trabalho entre a Uber e seus motoristas, bem como as implicações econômicas dessa decisão.
A decisão proferida pelo juiz Maurício Pereira Simões, da 4ª Vara do Trabalho de São Paulo, teve origem em uma denúncia feita pela Associação dos Motoristas Autônomos de Aplicativos (AMAA). O Ministério Público do Trabalho, agindo em nome dos motoristas, argumentou que a Uber deveria ser obrigada a contratar formalmente seus motoristas, alegando que eles estavam em uma relação de emprego, embora a Uber contestasse esse ponto.
O juiz Simões concordou com o argumento do Ministério Público do Trabalho, afirmando que a Uber havia “se omitido em suas obrigações” ao não contratar formalmente os motoristas. Ele também alegou que a Uber realizou “atos planejados” para “não cumprir a legislação do trabalho”. A decisão teve um impacto significativo, determinando que a Uber pagasse uma indenização de R$ 1 bilhão por danos morais coletivos.
A indenização de R$ 1 bilhão foi uma das partes mais controversas da decisão. O juiz Simões justificou o valor, afirmando que a Uber faturou R$ 76 bilhões com mais de 6 bilhões de viagens realizadas no Brasil entre 2014 e 2021. Estimando uma arrecadação total de R$ 100 bilhões da empresa no país nos últimos anos, ele calculou uma indenização de 1% em cima desse último valor.
O juiz argumentou que, quando considerado o contexto econômico e social do Brasil, o valor da indenização não era excessivo. No entanto, essa visão não foi universalmente aceita. Alguns observadores consideraram a indenização como “irrisória”, dado o tamanho do mercado da Uber e sua presença global.
A decisão também estabeleceu que 10% do valor da indenização (R$ 100 milhões) deveria ser encaminhado para associações de motoristas por aplicativos, enquanto a maior parte do montante bilionário seria destinada ao Fundo de Amparo ao Trabalhador. Essa distribuição reflete a preocupação da decisão em direcionar recursos para apoiar diretamente os motoristas afetados e a comunidade trabalhadora em geral.
Um dos pontos mais centrais do caso foi a avaliação da relação entre a Uber e seus motoristas. A Uber defendeu consistentemente que seus motoristas eram autônomos e, portanto, não tinham direito aos benefícios e proteções que os funcionários tradicionais têm sob a legislação trabalhista brasileira.
No entanto, o juiz Simões argumentou de forma contrária, afirmando que o contrato entre a Uber e seus motoristas configurava uma relação de emprego. Essa interpretação, se mantida, poderia ter implicações significativas para o setor de compartilhamento de viagens como um todo, não apenas para a Uber.
A Uber, em sua defesa, afirmou que já existiam mais de 6.100 decisões de Tribunais Regionais e Varas do Trabalho que afastaram o reconhecimento da relação de emprego com a plataforma. A empresa argumentou que a decisão do TRT-2 estava em desacordo com a jurisprudência estabelecida em outros casos envolvendo empresas de aplicativos de entrega, como iFood, 99, Loggi e Lalamove.
A decisão do TRT-2 não é o fim do processo legal. A Uber anunciou imediatamente que planeja recorrer da decisão e não tomará nenhuma das medidas ordenadas na sentença antes que todos os recursos cabíveis sejam esgotados. Isso significa que o caso pode continuar a se desenrolar em instâncias superiores, potencialmente chegando ao Supremo Tribunal Federal.
A controvérsia em torno da natureza da relação de trabalho entre empresas de aplicativos e seus motoristas não é exclusiva do Brasil. Em muitos países ao redor do mundo, incluindo os Estados Unidos, tem havido debates e ações legais semelhantes sobre se os motoristas de aplicativos devem ser considerados funcionários ou trabalhadores autônomos. A decisão do TRT-2 pode ter implicações globais à medida que outros países observam o desenrolar deste caso.
Em resumo, a decisão do TRT-2 de condenar a Uber a pagar uma indenização bilionária e a contratar formalmente seus motoristas desencadeou um debate acirrado sobre a relação de trabalho no setor de compartilhamento de viagens. A empresa planeja recorrer, e o resultado final deste caso terá implicações significativas não apenas para a Uber, mas também para todo o setor de aplicativos de transporte e para os trabalhadores que dependem dessas plataformas para ganhar a vida.