A história de Interlagos

Interlagos é considerado o templo do automobilismo brasileiro, e não é sem razão. O autódromo já conta com 80 anos, desde sua inauguração em 12 de maio de 1940, mas sua história na verdade começou bem antes disso. Fazendo parte de um projeto maior, um grande balneário idealizado na década de 1920, o autódromo teve o projeto aprovado em 1929. Mas a grande crise adiou o início das obras, e a Segunda Grande Guerra dificultou ainda mais as coisas.
Publicado por Pablo Silva em História dia 3/02/2021

Interlagos é considerado o templo do automobilismo brasileiro, e não é sem razão. O autódromo já conta com 80 anos, desde sua inauguração em 12 de maio de 1940, mas sua história na verdade começou bem antes disso.

Fazendo parte de um projeto maior, um grande balneário idealizado na década de 1920, o autódromo teve o projeto aprovado em 1929. Mas a grande crise adiou o início das obras, e a Segunda Grande Guerra dificultou ainda mais as coisas.

Um período marcado por grandes crises

A década de 1920 prometia uma grande prosperidade para o mundo. Encerrada a Primeira Grande Guerra, o mundo rumava para uma era de avanços na ciência e na indústria, época na qual os primeiros carros em série eram fabricados para as pessoas comuns.

Nessa época, a companhia canadense de energia elétrica Light idealizou um projeto ambicioso, que consistia em represar a água do rio Guarapiranga e Jurubatuba, afluentes do rio Pinheiros. Para isso, a companhia precisou retificar os rios e reverter o curso do rio Pinheiros. Tudo isso para aumentar a geração de energia elétrica.

Foi então que o britânico Louis Romero Sanson idealizou um projeto audacioso, um bairro de lazer (afastado do aglomerado que se formou em torno das indústrias do centro de São Paulo) entre as represas Billings e Guarapiranga, um grande balneário com diversos atrativos, como um grande hotel de luxo, clube de campo, praia artificial, e até mesmo um casino, que bancaria a obra.

Entre os atrativos estava também um autódromo, que viria a ser futuramente o circuito de Interlagos. Contudo, a grande crise de 1929 provocada pela quebra da Bolsa de Nova York – que desvalorizou em 10 vezes o preço da saca de café – e as Revoluções de 1930 e 1932 em São Paulo fizeram adiar o projeto e mesmo impossibilitá-lo na ocasião.

Uma paixão cada vez mais frequente pelas corridas de carro

Mesmo com toda a crise pela qual o país e o mundo passavam, crescia cada vez mais no brasileiro a paixão pelas disputas automobilísticas. Por causa disso, e o mais fácil acesso a veículos automotores, essas disputas começaram a ser feitas de forma perigosa nas ruas da cidade.

Para evitar essa prática ilegal as cidades do Rio de Janeiro e de São Paulo começaram a organizar o evento. Em 1936 foi realizado o Grande Prêmio Cidade de São Paulo, evento que aconteceu nas ruas do então Jd. América. Participaram vários pilotos europeus, e as principais rádios fizeram sua transmissão.

Uma paixão cada vez mais frequente pelas corridas de carro
Uma paixão cada vez mais frequente pelas corridas de carro

Uma tragédia que marcou a história influenciou a retomada do projeto Interlagos

Essa corrida estava transcorrendo de forma esplêndida, até que na bandeirada final um acidente envolvendo o famoso piloto brasileiro Manuel de Teffé e a piloto francesa Hellé Nice, resultou na morte de 5 espectadores e um soldado, e deixando outros 35 feridos.

Depois dessa tragédia, ficou claro que era indispensável um local adequado para a realização de competições automobilísticas que não fossem as ruas da cidade, e que medidas de segurança precisavam ser consideradas.

Foi então que Eusébio Matoso, presidente do Automóvel Clube do Brasil, pediu que Louis Romero Sanson acelerasse a construção do autódromo de Interlagos. Infelizmente, só mesmo um acontecimento como esse foi capaz de tirar o projeto do papel.

Acidente envolvendo Manuel de Teffé e Hellé Nice
Acidente envolvendo Manuel de Teffé e Hellé Nice

O circuito original

Originalmente, o circuito idealizado por Sanson tinha 7.960 metros posicionado no fundo do anfiteatro natural formado pelo terreno, característica que dava ao público uma visão de pelo menos 80% da pista. A pista era fantástica, extremamente técnica na opinião de diversos pilotos, e misturava trechos de alta e trechos de baixa.

Apesar das grandes dificuldades financeiras, a pista foi inaugurada em 12 de maio de 1940, sem mesmo ter sido completamente acabada, não tinha os boxes e nem mesmo banheiros. O circuito não era nada mais que uma pista de asfalto no meio de um matagal.

A qualidade daqueles traçados foi fundamental na formação de inúmeros pilotos brasileiros, entre eles Emerson Fittipaldi, e mais tarde o grande Ayrton Senna.

Com o passar do tempo, o circuito foi sendo cada vez mais usado, inclusive pelas montadoras de carro – que faziam seus testes lá – e as condições da pista começaram a se deteriorar. Todo mundo usa, mas ninguém cuida. Com isso, algumas mortes acabaram acontecendo. Só então foi tomada a decisão de interromper as atividades e reformar o autódromo.

Primeira reforma do circuito

Em 1968 uma grande reforma foi realizada, com objetivo de transformar e homologar o circuito para disputas internacionais. Foi nessa época que os grandes nomes começaram a surgir, como José Carlos Pace e os irmãos Fittipaldi.

No ano seguinte, por exemplo, Emerson Fittipaldi conquistaria o título de campeão mundial na Fórmula 3. O seu sucesso abriu as portas para entrar na Fórmula 1 só um ano depois, em 1970, sendo piloto da equipe Lotus. No mesmo ano ele ganhou sua primeira corrida, e os brasileiros começaram a se interessar mais pela categoria.

Circuito antigo em marrom e circuito novo em vermelho
Circuito antigo em marrom e circuito novo em vermelho

Chegada da Fórmula 1 ao Brasil

Em 1972, a 30 de março, acontecia a primeira corrida de Fórmula 1 no Brasil. Essa corrida foi feita de forma extra campeonato, sem contagem de pontos, apenas para verificar as condições da pista e considerar a possibilidade de incluir no calendário o autódromo de Interlagos.

Nesse mesmo ano, Emerson Fittipaldi foi campeão pela primeira vez na categoria, o que deu ao Brasil um grande destaque nas competições automobilísticas, e deu ao povo brasileiro o início de uma grande paixão pelas corridas.

No ano seguinte, em 1973, Interlagos passou a ser uma etapa oficial no calendário da Fórmula 1. Nesse ano e no seguinte a vitória foi do brasileiro Emerson Fittipaldi. Em 1975 outro brasileiro, Pace, venceria o grande prêmio nascia uma nova geração de pilotos.

Emerson Fittipaldi na Lotus recebendo a bandeirada da vitória em Interlagos
Emerson Fittipaldi na Lotus recebendo a bandeirada da vitória em Interlagos

Saída da Fórmula 1 de São Paulo e segunda reforma do autódromo

Com o avanço tecnológico dos carros de competição e a velocidade consideravelmente mais elevada deles, o circuito de Interlagos começou a apresentar alguns problemas, especialmente numa das curvas, onde no Grande Prêmio de 1977 nove carros rodaram – sim, na mesma curva – ocasionando uma sequência incrível de batidas.

No ano seguinte, em 1978 a Fórmula 1 foi disputada em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, enquanto Interlagos passava por algumas melhorias. A prova voltou para São Paulo em 1979, mas em 1981 voltou para o Rio de Janeiro.

Então, em 1989 o autódromo de Interlagos passou por uma enorme reforma, que reduziu seu antigo traçado de quase 8km para um novo com pouco mais de 4km. Isso porque seria muito difícil adequar o antigo circuito às novas regras de segurança da Fórmula 1. Criar áreas de escape na curva 3, por exemplo, sem desapropriar imóveis seria impossível.

Embora seu traçado tenha perdido muito do caráter desafiador que transformou tantos bons pilotos, a reforma conseguiu trazer a Fórmula 1 de volta para São Paulo. Em 1990 o Grande Prêmio voltaria para a cidade, e assim permanece até hoje.

Um grande marco na história: a vitória de Ayrton Senna

Em 1991 o autódromo de Interlagos teria um dos dias mais felizes de sua existência, a vitória absurdamente improvável e magnífica de Ayrton Senna, que completou a prova com o câmbio quebrado, com a marcha travada em sexta posição.

O final de corrida dramático, onde por mais de 7 voltas o campeão brasileiro teve que suportar o peso do câmbio numa das mãos e pilotar com a outra, é sem dúvida um dos momentos mais memoráveis da história de Interlagos.

O desgaste físico de Senna foi tão grande que ele não conseguiu sair sozinho de sua McLaren, nem mesmo foi capaz de erguer a taça da vitória com as duas mãos. Uma cena inesquecível. Ayrton Senna erguendo o troféu após a vitória do GP Interlagos em 1991

Ayrton Senna erguendo o troféu após a vitória do GP Interlagos em 1991

Um palco de grandes vitórias

Mais recentemente, Interlagos também foi palco de grandes vitórias. A prova, que antes era disputada no início da temporada, foi transferida para o final. Por isso, algumas decisões de campeonatos se deram na pista de Interlagos.

O primeiro a se tornar campeão nele foi o espanhol Fernando Alonso, em 2005. No ano seguinte o mesmo piloto repetiu a dose, também em Interlagos. Em 2007 o campeonato também foi decidido em Interlagos, quando o finlandês Kimi Raikkonen foi campeão pela primeira e única vez na carreira.

Em 2008 o autódromo vivenciou um dos momentos mais empolgantes de sua história, quando Felipe Massa venceu o GP e quase foi campeão mundial, não tivesse Lewis Hamilton ultrapassado mais um carro na última curva da prova, levando o título por apenas um ponto de vantagem.

Em 2009 o campeonato também foi decidido na pista de Interlagos, quando o inglês Jenson Button se tornou campeão. No ano de 2012 foi a vez de Sebastian Vettel levar a taça e o título, o que fez dele o tricampeão mais jovem da história da competição.