Após um processamento que se estendeu por anos, o Detran-SP iniciou recentemente a notificação de 418.000 motoristas sobre a suspensão ou cassação de suas Carteiras Nacionais de Habilitação (CNH) devido a infrações cometidas em 2020 e 2021. De acordo com o Detran-SP, as penalidades aplicadas são válidas, mesmo com as mudanças introduzidas pela Lei 14.229 em outubro de 2021, que reduziu os prazos de notificação para até 360 dias. Essa posição tem sido contestada por advogados, que consideram os processos ilegítimos, argumentando que a nova lei deve beneficiar motoristas que ainda não haviam sido notificados.
Pontos Principais:
O artigo 14.229, em vigor desde 21 de outubro de 2021, alterou o prazo que o Estado possui para notificar condutores sobre a suspensão ou cassação da CNH, reduzindo-o para 180 dias em casos sem recurso e 360 dias se houver contestação. Antes disso, a legislação permitia que o Estado notificasse infrações em até cinco anos. O Detran-SP, entretanto, aplica a regra de cinco anos para infrações ocorridas antes de outubro de 2021, sustentando que processos antigos ainda podem ser julgados de acordo com a norma vigente à época da infração. Esse argumento tem embasado os processos contra motoristas com infrações de até quatro anos atrás.
Contudo, advogados especializados em direito de trânsito defendem que a retroatividade da Lei 14.229 é cabível e que motoristas autuados antes de outubro de 2021 também podem ser beneficiados pelo prazo menor, já que muitos casos ainda estavam pendentes de notificação. Essa visão, segundo esses especialistas, respeita o princípio da retroatividade da lei mais benéfica, amplamente aceito pelo Judiciário em outros julgamentos de trânsito.
Casos recentes ilustram a controvérsia sobre a aplicação da nova legislação. Rodrigo Bento da Silva, por exemplo, foi autuado por se recusar a realizar o teste do bafômetro em 2020, mas só foi notificado em 2023, conseguindo posteriormente a anulação da suspensão da sua CNH com base na retroatividade da lei. Outro caso é o de Raphael Valentim, que recebeu uma multa em 2020 e foi notificado em 2023. Seu processo de suspensão foi cancelado após um juiz reconhecer a necessidade de respeitar os novos prazos da Lei 14.229.
Gustavo Fonseca, advogado e dono da empresa Doutor Multas, argumenta que o princípio da retroatividade é uma forma de assegurar os direitos dos cidadãos e tem sido aplicado em outros casos. Fonseca explica que o Judiciário tem reconhecido esse princípio em situações semelhantes, como a mudança trazida pela Lei 14.071 de 2020, que aumentou o limite de pontos necessários para a suspensão da CNH de 20 para 40 pontos. Após essa mudança, motoristas que ainda não tinham sido notificados puderam se beneficiar do novo limite.
Para os motoristas que foram recentemente notificados, há algumas alternativas de defesa. O processo administrativo permite ao condutor apresentar justificativas, recorrer de multas e argumentar contra a suspensão ou cassação da CNH. O portal do Detran-SP disponibiliza um QR Code na notificação para acesso direto ao processo e orientações sobre os procedimentos de defesa.
O Detran-SP alerta também para a existência de notificações falsas, enviadas por golpistas, que utilizam QR Codes fraudulentos para roubar dados dos motoristas. A autarquia recomenda que os motoristas verifiquem a autenticidade de qualquer notificação, acessando o portal oficial do Detran-SP antes de qualquer ação.
Ainda segundo o Detran-SP, o sistema de verificação que opera atualmente analisa se as notificações estão dentro dos prazos de prescrição para evitar penalidades indevidas. Porém, advogados como Fonseca recomendam que os motoristas busquem assessoria jurídica especializada para garantir que seus direitos sejam respeitados, argumentando que o Código Brasileiro de Trânsito pode apresentar complexidades que demandam interpretação técnica.
A discussão sobre a aplicação retroativa das leis de trânsito destaca uma tendência no Judiciário de adotar a interpretação mais favorável ao cidadão, o que pode influenciar casos futuros, caso a jurisprudência sobre o tema se fortaleça. Até que se chegue a um consenso definitivo, motoristas autuados em 2020 e 2021 que ainda não receberam notificações podem acompanhar a situação com atenção e buscar orientação jurídica se forem notificados.
Fonte: AutoPapo, QuatroRoas, Estadão e Camara.