Carros Elétricos e a Redução de Emissões: Impacto ESG na Mobilidade Urbana e Como só Isso não é Suficiente

A discussão sobre a eficácia dos carros elétricos na diminuição de emissões é recorrente. Alguns críticos destacam que a fabricação desses veículos, especialmente das baterias, gera uma pegada de carbono inicial maior em comparação com os automóveis convencionais.
Publicado por Maria Eduarda Peres em Mobilidade dia 15/09/2024

Há algum tempo, tenho observado de perto a transformação que os carros elétricos estão promovendo na mobilidade urbana. A transição para veículos movidos a bateria (BEVs) não é apenas uma tendência tecnológica, mas uma necessidade urgente diante dos desafios ambientais que enfrentamos. Como uma pessoa interessada as questões ambientais e de sustentabilidade, acredito que os BEVs desempenham um papel crucial na redução das emissões e no cumprimento dos critérios ESG (Ambiental, Social e Governança) promovidos pela ONU.

A discussão sobre a eficácia dos carros elétricos na redução de emissões é frequente. Alguns críticos apontam que a fabricação desses veículos, especialmente das baterias, gera uma pegada de carbono inicial maior em comparação com os veículos convencionais. No entanto, estudos recentes têm mostrado que essa diferença é compensada ao longo do ciclo de vida do veículo. Em média, os carros elétricos emitem até metade do dióxido de carbono que os veículos a combustão interna emitem, mesmo quando a eletricidade utilizada provém de fontes fósseis.

No contexto brasileiro, onde a matriz energética é predominantemente limpa (renovável), os benefícios são ainda mais significativos. Uma pesquisa realizada pela Stellantis demonstrou que veículos elétricos abastecidos com energia da matriz nacional geram menos emissões do que carros movidos a etanol. Isso é particularmente relevante, considerando que o etanol é um biocombustível renovável e amplamente utilizado no Brasil.

A mobilidade urbana sustentável vai além da simples adoção de veículos elétricos. É fundamental que haja um planejamento integrado que inclua a promoção de diferentes meios de transporte, a implementação de políticas públicas eficazes e o investimento em infraestrutura adequada. Planos diretores inteligentes podem reduzir o tempo de deslocamento, diminuir congestionamentos e melhorar a qualidade do ar nas cidades.

Os princípios ESG desempenham um grande papel nessa transformação. Empresas que incorporam práticas sustentáveis em suas operações tendem a ser mais valorizadas por investidores e consumidores. A mobilidade elétrica não é apenas uma solução ambiental, mas também social e econômica, promovendo melhorias na saúde pública e estimulando a inovação tecnológica.

É verdade que ainda enfrentamos desafios. A dependência de fontes fósseis para a geração de eletricidade em algumas regiões e a necessidade de aprimorar a tecnologia de armazenamento de energia são questões que precisam ser abordadas. Mas, o avanço contínuo em energias renováveis e o desenvolvimento de baterias mais eficientes apontam para um futuro promissor.

Acredito que a mobilidade elétrica é uma peça-chave na construção de cidades mais bioamigas. A combinação de veículos elétricos com um fornecimento energético limpo potencializa a redução de emissões e contribui para o combate às mudanças climáticas. É essencial que governos, empresas e sociedade unam esforços para fortificar essa transição.

Alternativas eficientes ao carro elétrico no Brasil: biocombustíveis ganham força

O Brasil conta com alternativas de combustível renovável, como o etanol, que podem ser mais eficientes na redução de CO2.
O Brasil conta com alternativas de combustível renovável, como o etanol, que podem ser mais eficientes na redução de CO2.

A discussão sobre a transição dos veículos a combustão para elétricos ganha força no cenário global, mas o Brasil segue um caminho distinto. Enquanto países como China e partes da Europa aceleram o processo de eletrificação, o Brasil conta com uma solução que, segundo especialistas, pode ser mais eficiente: o etanol. Desde os anos 1970, o país desenvolve tecnologia de combustível renovável à base de cana-de-açúcar, o que reduz a pressão por uma substituição urgente dos veículos movidos a petróleo.

O Mobilab, Laboratório de Estratégias Integradas da Indústria da Mobilidade da USP, realizou um estudo que comparou o nível de emissões de CO2 entre veículos elétricos, movidos a gasolina e a etanol. A análise incluiu desde a produção das baterias dos carros elétricos até o descarte dos veículos, revelando que o etanol, em termos de emissões, apresenta resultados comparáveis aos dos veículos elétricos. Para automóveis particulares, a troca por carros elétricos não oferece uma vantagem significativa em termos de redução de poluentes.

Além disso, especialistas apontam que a eletrificação do transporte público, em especial dos ônibus, teria um impacto maior na melhoria da qualidade do ar e da saúde pública. A frota de ônibus brasileira, majoritariamente movida a diesel, é uma das principais fontes de poluentes nas grandes e médias cidades. O diesel, mais poluente que a gasolina, libera gases tóxicos e material particulado, prejudicando diretamente a saúde da população.

Diante dessa realidade, Adriana Marotti de Melo, professora da Faculdade de Economia da USP e coordenadora do Mobilab, defende que os investimentos deveriam priorizar a eletrificação do transporte coletivo, em vez de focar apenas no transporte individual. Para ela, o Brasil já possui uma vantagem significativa com a infraestrutura existente para a produção e distribuição do etanol, que pode ser aperfeiçoada com políticas públicas adequadas.

Outro ponto relevante é a relação entre a substituição dos veículos a combustão por elétricos e o custo dessa transição. O preço elevado dos carros elétricos no Brasil torna essa tecnologia inacessível para a maior parte da população. Assim, concentrar os incentivos em alternativas mais acessíveis e já viáveis, como o etanol e a eletrificação do transporte coletivo, pode ser a estratégia mais eficiente para o Brasil.

A transição para tecnologias de transporte mais limpas, portanto, deve ser adaptada ao contexto específico de cada país. No Brasil, o etanol e os biocombustíveis em geral se mostram como soluções adequadas para a redução das emissões de CO2, com a vantagem de já serem amplamente utilizados e viáveis em termos econômicos. Enquanto o carro elétrico é apontado como a solução global, o Brasil demonstra que alternativas locais, bem implementadas, podem ser igualmente eficazes.

Por que apostar apenas na eletricidade não resolve as emissões dos automóveis no Brasil

Eletrificação total da frota brasileira apresenta desafios específicos para o país.
Eletrificação total da frota brasileira apresenta desafios específicos para o país.

O setor de transportes é um dos principais responsáveis pelas emissões globais de gases de efeito estufa, representando cerca de 21% do total de emissões que contribuem para as mudanças climáticas. Veículos leves, em especial, respondem por 15% desse impacto. Na tentativa de mitigar esses efeitos, muitos países estão investindo na eletrificação da frota automotiva, promovendo a substituição de veículos movidos a combustíveis fósseis por opções elétricas. Na China, as vendas de veículos elétricos dobraram de 2020 para 2021, e nos Estados Unidos, esse tipo de veículo registrou um recorde de 631 mil unidades vendidas no mesmo período.

Contudo, o cenário brasileiro é distinto. Enquanto em outros países o setor de transporte rodoviário é um dos principais emissores, no Brasil, o uso de automóveis representa apenas cerca de 6% das emissões totais. Isso se deve, em grande parte, ao uso de biocombustíveis, como o etanol. Um levantamento da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA) aponta que o uso de etanol evitou a emissão de 535 milhões de toneladas de CO2eq entre 2003 e 2019.

Um estudo recente conduzido por pesquisadores da Unesp, em Guaratinguetá, analisou diferentes cenários para a descarbonização da frota automotiva brasileira até 2050. A pesquisa concluiu que, ao invés de uma aposta única em veículos elétricos, a combinação de etanol e uma pequena porcentagem de veículos elétricos pode alcançar uma redução de 58% das emissões, mesmo em um cenário pessimista.

Atualmente, a frota brasileira de veículos leves ultrapassa os 60 milhões de unidades, com uma maioria significativa movida por motores flex. Os carros elétricos, por sua vez, representam apenas 0,2% da frota total, embora o número de emplacamentos tenha crescido para 3,1% no último ano. Ainda assim, para atingir as metas de redução de emissões estabelecidas no Acordo de Paris, o Brasil precisa de uma estratégia que leve em consideração suas particularidades, especialmente o uso de biocombustíveis.

Os cenários projetados pelos pesquisadores demonstram que a eletrificação completa da frota não seria viável no Brasil, dada a estrutura energética e econômica do país. Mesmo que a matriz elétrica nacional seja majoritariamente renovável, o crescimento da frota elétrica depende de fatores como a disponibilidade de infraestrutura de recarga e o custo de produção de eletricidade.

Além disso, o mercado de biocombustíveis no Brasil está sujeito a variações de preços globais do açúcar, o que pode impactar a produção de etanol. Em momentos em que o preço do açúcar está alto, a produção de etanol tende a diminuir, gerando uma imprevisibilidade que dificulta o planejamento de longo prazo para o setor.

Mesmo com esses desafios, o uso do etanol permanece uma vantagem estratégica para o Brasil. Ele é uma solução que pode ser adotada sem grandes mudanças na infraestrutura já existente e apresenta uma baixa emissão de carbono em comparação com a gasolina. A ampliação do uso de etanol de segunda geração, por exemplo, poderia reduzir ainda mais as emissões, atingindo até 77%.

Diante dessas considerações, o estudo da Unesp destaca a importância de políticas públicas que equilibrem o uso de veículos elétricos e biocombustíveis, explorando ao máximo as vantagens competitivas do Brasil. Para alcançar uma descarbonização eficaz, o país não deve seguir cegamente as tendências globais de eletrificação total, mas sim desenvolver uma solução adaptada à sua realidade, em que o etanol desempenha um papel central.

Fonte: USP, Exame, Estadão e Unesp.