Em 1965, a Citroën apresentou um caminhão que parecia vindo do futuro. O Type N350, apelidado de Belphégor, desafiou a lógica da indústria ao combinar design arrojado, tecnologia avançada e uma identidade visual inconfundível.
Na década de 1960, quando os veículos utilitários eram feitos apenas para o trabalho duro, o N350 mostrou que até um caminhão podia ter elegância e propósito. Ele não transportava apenas cargas, mas ideias. Era a materialização de uma filosofia que unia forma e função em perfeita harmonia.
Sessenta anos depois, ele continua lembrado como um dos projetos mais ousados da Citroën. Um caminhão que virou símbolo de como a estética pode transformar o cotidiano e redefinir o conceito de utilitário.

O responsável pelo desenho do Type N350 foi Flaminio Bertoni, o mesmo artista que criou o 2CV e o DS. Bertoni tratava cada veículo como uma escultura, e o N350 refletia essa visão em cada detalhe. As linhas eram suaves, mas cheias de personalidade, e a cabine avançada dava ao caminhão uma expressão quase humana.
As janelas extras, colocadas acima dos faróis e na base da cabine, eram tanto um elemento estético quanto funcional. Elas ampliavam a visibilidade e tornavam o trabalho do motorista mais seguro e confortável. Esse tipo de solução, inovadora para os anos 1960, antecipava discussões sobre ergonomia e eficiência visual.
O resultado foi um caminhão com alma artística, um equilíbrio raro entre o útil e o belo. Bertoni provou que o design podia ser mais do que aparência, podia ser inteligência aplicada em movimento.

O Type N350 também era tecnicamente avançado. Tinha direção hidráulica e um sistema de freios de alta pressão inspirado no Citroën DS, o que proporcionava uma condução mais leve e segura. Em um tempo em que caminhões eram sinônimo de esforço, o N350 oferecia conforto e controle.
Com mais de 140 combinações possíveis, o modelo podia ser configurado de acordo com a necessidade de cada cliente. Havia opções a gasolina e diesel, versões com bomba motorizada e diferentes tamanhos de chassi. Era um veículo adaptável, feito para responder aos desafios de um mundo em transformação.
Entre as versões mais lembradas está o modelo de 1969, transformado em caminhão de bombeiros. Equipado com escada, sirene e tanques de água, ele simbolizou a versatilidade e a robustez que definiram o projeto.

O Citroën Type N350 tinha dimensões equilibradas e bem proporcionadas. Com 5,34 metros de comprimento e 2,14 metros de largura, era imponente sem perder a agilidade. Pesava pouco mais de duas toneladas e suportava cargas que variavam entre 3,5 e 8 toneladas.
A cabine acomodava até cinco pessoas, algo incomum na categoria. Sua velocidade máxima era de 70 km/h, suficiente para o ritmo das estradas da época. O foco estava na estabilidade, na durabilidade e na segurança.
Mais do que um veículo de trabalho, o N350 era uma ferramenta de confiança. Sua engenharia robusta e o cuidado com os detalhes explicam por que tantos exemplares ainda sobrevivem em exposições e coleções europeias.
O apelido Belphégor surgiu na França em referência a uma série de TV popular na época, chamada O Fantasma do Louvre. O caminhão, com sua aparência misteriosa e futurista, lembrava a figura enigmática do personagem da trama.
Essa associação ajudou a transformar o N350 em um ícone cultural. Ele se tornou mais do que um utilitário, passou a representar o espírito criativo francês e a ousadia de uma marca que sempre seguiu seu próprio caminho.
Nas décadas seguintes, o Belphégor virou símbolo de uma era em que a Citroën desafiava padrões e enxergava beleza onde outros viam apenas função. Era o encontro entre o design e o cotidiano, entre o trabalho e a arte.
Relembrar o Citroën Type N350 é revisitar o DNA da marca. Desde 1919, a Citroën constrói veículos que equilibram conforto, inovação e estilo, e o N350 foi uma das expressões mais puras dessa filosofia.
Hoje, em tempos de transição para a mobilidade elétrica, o espírito do Belphégor continua vivo. Ele representa a coragem de repensar o que é possível, de criar algo funcional e, ao mesmo tempo, inspirador.
O caminhão que nasceu há sessenta anos para o trabalho pesado acabou se tornando uma lição de design e criatividade. Uma lembrança de que, mesmo na indústria automotiva, a arte e a inovação podem dividir o mesmo volante.
Fonte: Stellantis.