A crise no mercado de carros elétricos está afetando diretamente as locadoras de veículos, que sempre foram responsáveis por grande parte das compras das montadoras. Com mais de 4 mil modelos elétricos em circulação e 6,8 mil híbridos, a frota representa menos de 1% do total, evidenciando o baixo interesse no setor. A maior empresa de locação do Brasil, Localiza, encerrou 2023 com uma frota composta por 2,7 mil veículos eletrificados em meio a uma frota total de 631 mil.
A experiência de adquirir os primeiros modelos elétricos não foi promissora. Segundo Paulo Miguel Junior, vice-presidente da Associação Brasileira das Locadoras de Automóveis (Abla), os veículos comprados há cerca de três anos sofreram depreciação entre 40% e 45%. Esses carros, comprados a preços elevados, enfrentaram concorrência das montadoras chinesas, que trouxeram modelos mais avançados e baratos. Como resultado, as montadoras tradicionais foram obrigadas a reduzir os preços para não perder mercado, penalizando quem adquiriu os veículos anteriormente.
Movida, outra gigante do setor, também enfrentou desafios com sua frota elétrica. A empresa comprou modelos como o Nissan Leaf, Renault Zoe e BMW i3, mas a maioria desses veículos ficou parada nos pátios por falta de demanda. Alguns chegaram a ser vendidos com desvalorização de até 40% em relação à tabela Fipe. O grupo até cancelou a compra de 250 modelos BYD Tan, que estava prevista para 2022, devido a esse cenário.
A situação nos Estados Unidos é semelhante. A Hertz, uma das maiores locadoras do país, cancelou um contrato de compra de 100 mil veículos da Tesla devido à rápida desvalorização dos seminovos. O cenário mostra que, mesmo em mercados mais desenvolvidos, o valor de revenda dos elétricos ainda é um desafio.
Apesar da desvalorização, as vendas de veículos eletrificados cresceram 90% entre janeiro e julho de 2024, atingindo 33 mil unidades. Desse total, 83% têm até três anos de uso, o que demonstra o interesse crescente em modelos mais novos. Mesmo assim, o mercado de veículos a combustão continua dominante, com um crescimento de 9% no mesmo período, representando 8,8 milhões de unidades vendidas.
Para alguns consumidores, a desvalorização dos elétricos já está sendo sentida. O empresário paulista Maurício de Barros, por exemplo, decidiu vender seu Peugeot e-208 após dois anos e meio de uso. Apesar de ter pago R$ 249 mil no veículo, precisou vendê-lo por apenas R$ 100 mil como parte de troca por outro modelo elétrico. Ele considera que pagou o preço por ser um dos primeiros a adotar a tecnologia no Brasil, mas já migrou para um modelo da chinesa BYD, que oferece mais autonomia e tecnologia por um valor mais acessível.
O mercado chinês, com marcas como BYD e GWM, promete movimentar ainda mais o setor com a produção local a partir de 2025. A estratégia de recompra de seminovos a preços próximos da tabela Fipe tem sido uma maneira de atrair consumidores e mitigar as perdas com a desvalorização dos veículos elétricos.
Embora o mercado de veículos eletrificados esteja em crescimento, a desvalorização rápida, especialmente em comparação com os veículos a combustão, ainda é um grande desafio. As locadoras, tradicionalmente grandes compradoras, estão se afastando dessa tecnologia, pelo menos por enquanto. A entrada de novas marcas e tecnologias mais acessíveis pode alterar esse cenário, mas os próximos anos serão decisivos para determinar o futuro dos carros elétricos no Brasil e no mundo.