Uma nova guinada estratégica pode estar a caminho no setor automotivo latino-americano, e a Renault parece estar no centro desse movimento. Segundo informações recentes, a montadora francesa negocia uma aliança com a chinesa Chery para produzir veículos na América do Sul — um passo que sinaliza ambições de consolidação regional, e que pode alterar os equilíbrios competitivos do setor.
As negociações ainda caminham de forma preliminar, sem definição certa de assinatura ou cronograma. A proposta em discussão envolve a produção de modelos da Chery sob a bandeira Renault, com a francesa controlando a operação e eventualmente cedendo suas fábricas em países vizinhos para instalação de linhas de montagem. Em particular, as plantas da Renault em Córdoba (Argentina) e Envigado (Colômbia) são citadas como possíveis locais para implantação dessas operações. Na Argentina, especula-se foco em picapes híbridas plug-in; na Colômbia, modelos a combustão estariam na mira.

Se avançar, esse tipo de arranjo colocaria a Renault em uma posição estratégica: integrar em seu portfólio veículos de origem chinesa, mas com controle e marca francesa, e com produção regional. Esse casamento operacional permitiria economias de escala, otimização logística e tarifas menores nas exportações entre países da América Latina.
Um ponto sensível nessa trama é o relacionamento com a Caoa, que desde 2017 tem parceria com a Chery no Brasil para fabricação e comercialização de modelos chineses. Segundo as informações, o acordo com a Chery para atuação regional não deve interferir nessa aliança brasileira existente. Ou seja: o Brasil continuaria com a cooperação direta entre Chery e Caoa, enquanto a Renault busca montar seu braço latino-americano com similar espinha dorsal. Além disso, a Caoa estaria preparando uma cooperação paralela com outra chinesa, a Changan, em modelo semelhante.
Para a Renault, o momento é crítico. Recentemente, reportou prejuízo de cerca de 11 bilhões de dólares com sua participação na Nissan, o que reforça a necessidade de novas estratégias de crescimento e diversificação. A aliança com a Chery surge como um instrumento para recuperação de competitividade, expansão de portfólio e presença local mais forte. Ao explorar veículos chineses já desenvolvidos, a Renault evita o custo de desenvolver completamente novas plataformas para mercados de escala limitada.
Porém, desafios são abundantes. A integração tecnológica entre duas arquiteturas de engenharia distintas, a necessidade de compatibilização de padrões de qualidade e certificações, e o risco de conflitos estratégicos entre o controle da marca Renault e a contribuição da Chery devem ser gerenciados com rigor. A Renault precisará demonstrar credibilidade e competência operacional para convencer governos, fornecedores e consumidores de que isso é mais do que um simples acordo de montagem.
Se bem sucedida, essa parceria pode transformar a presença da Renault na América Latina: atuar como pivô entre a técnica chinesa e a tradição europeia; recompor sua vantagem competitiva; e criar um efeito de arrasto frente a rivais que dependem muito da importação ou produção centralizada em países distantes. Num mercado cada vez mais definido pela mobilidade elétrica, eficiência e integração regional, essa aliança pode representar uma virada ambiciosa — ainda em gestação.