Como Gurgel Previu o Carro Elétrico Brasileiro Há 50 Anos

João Gurgel, fundador da Gurgel, idealizou um carro elétrico nacional há quase 50 anos. Suas visões incluíam um sistema de compartilhamento de veículos em Rio Claro, SP, semelhante ao modelo atual de locação de carros elétricos, mas o projeto não foi adiante devido a decisões estratégicas.
Publicado em História dia 14/08/2024 por Alan Corrêa

João Augusto do Amaral Gurgel, engenheiro e fundador da Gurgel, tinha uma visão ambiciosa para o futuro da mobilidade no Brasil. Em uma entrevista concedida à Autoesporte em 1975, Gurgel discutiu detalhadamente suas ideias para o desenvolvimento de um carro elétrico nacional. Naquela época, a Gurgel havia recém-inaugurado sua fábrica em Rio Claro, São Paulo, com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Esse apoio refuta a crença comum de que a montadora enfrentou dificuldades por falta de suporte governamental.

O projeto de Gurgel ia além da simples fabricação de um carro elétrico. Ele planejava transformar a cidade de Rio Claro em um ecossistema voltado para veículos elétricos, onde os carros seriam utilizados em um sistema de compartilhamento. Os moradores da cidade pegariam os carros em pequenas estações, usariam pelo tempo necessário e depois os devolveriam em qualquer outra estação. Nessas bases, os carros seriam carregados enquanto estivessem parados. A ideia era muito semelhante ao que hoje conhecemos como serviços de compartilhamento de veículos elétricos, mas Gurgel propôs isso décadas antes da existência de tecnologias como internet, celulares e aplicativos.

João Gurgel, engenheiro e fundador da Gurgel, idealizou na década de 1970 um sistema de mobilidade elétrica em Rio Claro, SP, prevendo um modelo de compartilhamento de carros elétricos.
João Gurgel, engenheiro e fundador da Gurgel, idealizou na década de 1970 um sistema de mobilidade elétrica em Rio Claro, SP, prevendo um modelo de compartilhamento de carros elétricos.

A proposta de Gurgel para Rio Claro era inovadora, prevendo que a cidade funcionaria como um piloto para um sistema de mobilidade urbana elétrica. A escolha de Rio Claro não foi aleatória; Gurgel considerava a cidade ideal devido à sua topografia plana, curtas distâncias entre os principais pontos e uma velocidade máxima permitida de 50 km/h, características que se encaixavam perfeitamente com as especificações técnicas do Itaipu, o carro elétrico desenvolvido pela Gurgel. O Itaipu tinha uma autonomia de 50 a 60 km e uma velocidade máxima de 60 km/h.

Além disso, Gurgel obteve apoio significativo da prefeitura de Rio Claro, que cedeu áreas na cidade para a construção das bases de estacionamento dos veículos. A Companhia Energética de São Paulo (Cesp), então estatal, também se envolveu no projeto, oferecendo energia gratuita para carregar os carros nas estações. Gurgel via isso como uma experiência pioneira, não só no Brasil, mas possivelmente no mundo.

Gurgel acreditava que esse sistema poderia ser o começo de uma revolução no transporte individual urbano, com o Brasil liderando esse movimento. No entanto, essa visão nunca se concretizou. O projeto foi abandonado quando a Gurgel decidiu focar em utilitários com mecânica Volkswagen refrigerada a ar. No total, menos de 30 unidades do Itaipu foram fabricadas.

Outro ponto em que Gurgel demonstrou visão à frente de seu tempo foi na defesa de incentivos para carros elétricos. Ele argumentava que esses veículos deveriam ser isentos da Taxa Rodoviária, que é o atual IPVA, e que o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) deveria ser reduzido para facilitar a entrada dos elétricos no mercado. Gurgel justificava essa necessidade de incentivos ressaltando que os carros elétricos ajudariam a economizar combustíveis fósseis, como gasolina e diesel.

Embora Gurgel não tenha vivido para ver a popularização dos carros elétricos, que são hoje uma realidade em diversas partes do mundo, suas ideias permanecem relevantes. Sua visão de uma indústria automotiva sustentável e integrada com as necessidades urbanas ainda pode inspirar empresas e governos a buscar soluções inovadoras para os desafios de mobilidade no século XXI.

Fonte: AutoEsporte.