Carros autônomos nível 4 e 5 já circulam em cidades dos Estados Unidos, mas seguem barrados no Brasil por lei, estrada e custo.
O carro para sozinho na porta, as portas destravam, o passageiro entra e a viagem começa sem ninguém no banco do motorista. Em algumas regiões americanas, isso deixou de ser curiosidade tecnológica e virou deslocamento cotidiano, gente indo ao trabalho, ao mercado, ao aeroporto. Não há anúncio chamativo nem clima de teste. O sistema apenas funciona, silencioso, tomando decisões enquanto o trânsito flui ao redor. É esse contraste que torna a discussão sobre carros autônomos tão desconfortável quando trazida para a realidade brasileira.

A tecnologia que sustenta essa cena não surgiu de repente. Ela é organizada por níveis definidos pela SAE International, uma régua técnica que separa o que é assistência do que é autonomia de fato. No Brasil, o cotidiano do motorista já inclui carros de nível 1 e nível 2, capazes de frear sozinhos, manter o carro entre as faixas e ajustar a velocidade no trânsito pesado. São sistemas que aliviam o cansaço, mas não transferem responsabilidade. As mãos seguem no volante, os olhos na via, o corpo em estado de alerta.
O problema começa quando o carro passa a decidir sem pedir permissão. Nos níveis 4 e 5, o sistema assume o comando em rotas inteiras, interpreta semáforos, pedestres, ciclistas e veículos imprevisíveis.
É aí que entra o exemplo mais citado do mundo real. A empresa Waymo opera frotas de robotáxis que rodam sem motorista, chamados por aplicativo, integrados à malha urbana. Não são protótipos de feira nem carros escondidos em centros de pesquisa. São veículos circulando entre ônibus, motos e cruzamentos movimentados.
Mesmo assim, o avanço não é linear. Em 2024, a Waymo realizou um recall de 3.067 veículos após relatos de carros autônomos contornando ônibus escolares parados no Texas, segundo o Olhardigital, uma falha grave em um dos cenários mais sensíveis do trânsito. Outros episódios ao longo dos anos envolveram paradas indevidas em cruzamentos, conversões proibidas e conflitos com ciclistas. Nada disso é ignorado pela empresa, que defende seus sistemas com estatísticas próprias, apontando menos acidentes graves e menos acionamentos de airbag quando comparados a motoristas humanos em trajetos semelhantes.
Esses números, porém, carregam um detalhe decisivo. Eles vêm de áreas altamente controladas, com mapeamento preciso, sinalização clara, fiscalização constante e regras pensadas para a ausência de um condutor humano. Fora desse ambiente, a equação muda completamente, segundo o AutoPapo.
“Na minha análise, a expectativa realista é que veículos totalmente autônomos no Brasil só avancem após mudanças claras no Código de Trânsito e testes controlados em áreas específicas, antes disso a tendência é ver serviços de táxi ou Uber autônomo apenas como projetos-piloto em ambientes fechados ou muito delimitados, sem data concreta para operação ampla nas cidades”
No Brasil, o primeiro obstáculo não é técnico, é jurídico. O Código de Trânsito Brasileiro exige que o condutor mantenha domínio total do veículo durante toda a condução. A regra foi escrita em 1997, quando a ideia de um carro sem motorista parecia distante. Hoje, ela impede qualquer uso pleno de autonomia avançada. Mesmo que o carro seja capaz de dirigir sozinho, a lei exige atenção permanente, mãos e pés prontos para intervir. Outros artigos reforçam a necessidade de habilitação humana ativa e punem a condução sem controle manual, criando um bloqueio direto aos níveis mais altos de automação.

Se a lei fosse ajustada amanhã, o problema seguinte estaria no chão. Segundo a Confederação Nacional do Transporte, 62% das rodovias brasileiras são classificadas como regulares, ruins ou péssimas. Faixas apagadas pelo tempo, placas ausentes, buracos improvisados e vias fora de padrão fazem parte da rotina de quem dirige no país. Um motorista humano compensa no instinto, reduz a velocidade, desvia, interpreta gestos. O software não improvisa. Ele depende de padrão, previsibilidade e leitura clara do ambiente.
É nesse cenário que entram as montadoras que já atuam no Brasil com foco em tecnologia. A chinesa Leapmotor, hoje integrada ao grupo Stellantis, oferece sistemas avançados de assistência em seus modelos, mas admite que a autonomia plena depende de fatores que vão além da indústria. A tecnologia evolui rápido, sensores ficam mais precisos, algoritmos aprendem com bilhões de quilômetros rodados em simulação. Ainda assim, sem legislação compatível e infraestrutura adequada, o sistema não pode ser liberado.
Existe também um custo que raramente aparece na discussão pública. Autonomia total exige redundância elétrica, múltiplos sensores LiDAR, radares sobrepostos, câmeras em todos os ângulos e processadores capazes de decidir em milissegundos. Essa arquitetura encarece o veículo e ajuda a explicar por que, mesmo nos mercados mais avançados, a autonomia surge primeiro como serviço, robotáxis, frotas, áreas delimitadas, antes de chegar ao consumidor comum.
Especialistas em engenharia e regulação apontam outro ponto sensível. Sistemas autônomos podem superar humanos em tarefas repetitivas e previsíveis, mas ainda enfrentam dificuldade em situações raras e caóticas. O debate deixa de ser apenas tecnológico e se torna jurídico e social, quem responde quando o erro não é humano. Enquanto essa resposta não é clara, órgãos reguladores avançam com cautela, exigindo testes, recalls e transparência.
No dia a dia brasileiro, o motorista segue convivendo com carros cada vez mais assistidos, mas ainda longe de soltar o volante. A promessa da viagem sem intervenção esbarra no semáforo mal sincronizado, na faixa apagada pela chuva e na regra que exige atenção total. A tecnologia continua avançando em silêncio, enquanto o trânsito real insiste em testar seus limites. Na minha opinião, esperar autônomos no Brasil antes de 2035 é ilusão. Enquanto não resolvermos o básico, pintar as faixas no asfalto, a tecnologia nível 5 continuará sendo ficção científica para nós.