O último rugido: Bugatti Mistral de R$ 34 milhões marca fim de uma era

O último rugido: Bugatti Mistral de R$ 34 milhões marca fim de uma era
Bugatti Mistral marca a despedida do Chiron e do motor W16 com 1600 cv, recorde de 453,9 km/h, producao limitada a 99 unidades e um novo patamar de luxo e desempenho extremo.
Publicado por em Bugatti dia

Pontos Principais:

  • Bugatti Mistral e a ultima evolucao do Chiron e o encerramento definitivo do motor W16.
  • Roadster atinge 1600 cv e estabeleceu recorde mundial de 453,9 km/h para carros abertos.
  • Projeto combina desempenho extremo com conforto refinado e acabamento artesanal.
  • Producao limitada a 99 unidades, todas vendidas antes do inicio das entregas.

O Bugatti Mistral entra para a história não como um lançamento comum, mas como o ponto final de uma era que começou muito antes de a indústria falar em eletrificação como destino inevitável. Em Molsheim, na fronteira leste da França, a despedida do Chiron e do motor W16 ganha forma num roadster que existe para ser sentido antes de ser explicado.

Nas estradas tranquilas ao redor de Molsheim, no leste da França, a experiência começa antes mesmo de girar a chave. A carroceria aberta deixa tudo exposto, o som, o vento, a vibração mínima que já denuncia a presença do motor. O Mistral é a última variação do Chiron, apresentado em 2016, e também a despedida definitiva do W16, um conjunto que moldou duas décadas de hiperesportivos sem aceitar limites externos.

A Bugatti sempre construiu carros que funcionam como marcos, não como produtos de linha. O Mistral segue esse caminho ao extremo. Sob a superfície elegante, o motor W16, que estreou no Veyron em 2005, entrega aqui sua forma mais intensa, com 1.600 cv e 163,1 kgfm. Esses números não aparecem como promessa, eles se manifestam em cada toque no acelerador, mesmo quando a estrada não permite exageros.

O desempenho máximo virou quase um detalhe diante do que o carro representa, mas ainda assim impressiona. Em configuração padrão, o Mistral alcança 380 km/h. Com a segunda chave acionada, o limite sobe para 420 km/h. E existe o número que paira como referência definitiva: 453,9 km/h, marca registrada em testes oficiais, suficiente para colocar o Mistral como o roadster mais rápido já produzido. Mesmo longe dessas velocidades, a sensação de reserva infinita de potência nunca desaparece.

Ao volante, o contraste é imediato. O carro pode ser guiado com suavidade, quase com a docilidade de um Mini Cooper, e é justamente isso que cria tensão constante. Saber que 1.600 estão ali, prontos para entrar em cena, muda a forma como o motorista lê cada reta curta, cada saída de curva, cada ultrapassagem possível. Um toque mínimo no acelerador já basta para deixar o limite legal para trás sem esforço algum.

A aceleração não se parece com nada que esteja se tornando comum na indústria. A entrega imediata de torque dos elétricos impressiona, mas o W16 trabalha em outra dimensão sensorial. O kickdown vem como impacto físico, não como surpresa silenciosa. O Mistral faz 0 a 100 km/h em 2,4 s e chega a 300 km/h em 12,1 s, mas esses números rapidamente perdem protagonismo quando o corpo é pressionado contra o banco e o som passa a dominar o ambiente.

O Bugatti Mistral nasce para encerrar uma era inteira. Ele é a última variação do Chiron e o adeus definitivo ao motor W16, criado para ir além de qualquer limite conhecido.
O Bugatti Mistral nasce para encerrar uma era inteira. Ele é a última variação do Chiron e o adeus definitivo ao motor W16, criado para ir além de qualquer limite conhecido.

Esse som é parte essencial da narrativa, como revelado pela própria Bugatti. O motor suga até 70.000 litros de ar por minuto através dos dutos posicionados logo atrás dos encostos de cabeça, moldados em fibra de carbono. A resposta acontece em camadas bem definidas: primeiro entram os 2 turbos; a partir de 3.000 rpm, as 4 turbinas trabalham juntas. O resultado é uma sequência crescente de zumbidos, explosões e, por fim, um suspiro forte quando as válvulas de descarga liberam a pressão, um som que dispensa qualquer sistema de áudio.

No interior, o Mistral troca telas por mostradores analógicos, couro refinado e fibra de carbono exposta, criando um ambiente focado no som do W16 e na experiência de dirigir.
No interior, o Mistral troca telas por mostradores analógicos, couro refinado e fibra de carbono exposta, criando um ambiente focado no som do W16 e na experiência de dirigir.

Dentro da cabine, a Bugatti faz questão de não disputar atenção com telas. No lugar disso, há um conjunto central com 4 mostradores alinhados, entregando informação de forma clara e elegante. O acabamento mistura couro refinado, alumínio e fibra de carbono azul exposta, criando um ambiente que lembra mais um objeto artesanal do que um superesportivo convencional. Um detalhe chama o olhar com naturalidade: a pequena escultura de um elefante criada por Rembrandt Bugatti, irmão de Ettore, reproduzida em resina na manopla do câmbio, um aceno silencioso à herança artística da marca.

O conforto surpreende tanto quanto o desempenho. Os bancos têm desenho de poltrona, e a suspensão consegue filtrar imperfeições mesmo no ajuste mais agressivo, o Top Speed. Nesse modo, a altura do solo é reduzida de 115 mm para 80 mm na dianteira e 89 mm atrás, alterando a postura do carro sem torná-lo hostil em uso normal. Em dias de chuva, a presença de uma capota simples e a recomendação de não ultrapassar 160 km/h devolvem o Mistral a um comportamento quase cotidiano, ainda que essa palavra pareça deslocada aqui.

Mesmo brutal, o Mistral surpreende pelo conforto. Suspensão refinada, bancos largos e acabamento artesanal mostram que a Bugatti nunca tratou desempenho como desculpa para abrir mão do luxo.
Mesmo brutal, o Mistral surpreende pelo conforto. Suspensão refinada, bancos largos e acabamento artesanal mostram que a Bugatti nunca tratou desempenho como desculpa para abrir mão do luxo.

Os pneus reforçam essa leitura técnica e funcional: 285/30 R20 na dianteira e 355/25 R21 na traseira. Cada escolha deixa claro que o carro foi pensado para manter estabilidade e controle mesmo quando a potência parece excessiva para qualquer cenário plausível.

A exclusividade fecha o círculo de forma quase automática. O Mistral custa 5,5 milhões de euros, algo próximo de R$ 34 milhões, antes de personalizações que podem acrescentar mais 1 milhão de euros, cerca de R$ 6,16 milhões. Ainda assim, as 99 unidades foram vendidas antes mesmo de chegarem às ruas, empurrando os interessados restantes para a expectativa em torno do Tourbillon, anunciado inicialmente apenas como cupê.

O Mistral não encerra essa história com uma resposta pronta. Ele deixa o motorista, e o leitor, presos a uma pergunta incômoda: quando o som, a vibração e a presença física de um motor como o W16 desaparecerem do dia a dia, o que vai ocupar esse espaço sensorial? A dúvida fica ali, acompanhando cada quilômetro rodado e cada leitura seguinte, porque algumas despedidas não se resolvem no desligar da ignição.

Alan Corrêa
Alan Corrêa
Jornalista automotivo (MTB: 0075964/SP) e analista de mercado. Especialista em traduzir a engenharia de lançamentos e monitorar a desvalorização de usados. No Carro.Blog.br, assina testes técnicos e guias de compra com foco em durabilidade e custo-benefício.